PROCESSOS VIII

January 17, 2019

TERRA UNA

Fazem dois dias que voltei da Ecovila Terra Una onde fui passar o Ano Novo. Voltei um pouco debilitada fisicamente, mas com o espírito renovado. Foi uma experiência transformadora na minha vida. Muitas possibilidades se abriram e um mundo de descobertas parece ter se apresentado diante dos meus olhos.

Desde que cheguei de Barcelona para essa temporada no Brasil, vinha me sentindo um pouco perdida, com um certo vazio e uma falta de apaixonamento, de deslumbramento. Depois de tantas coisas vividas e de tantas experiências na Espanha, me sentia um pouco fria novamente em casa.

Foi então que deixei o coração pulsar e me guiar. Senti que não queria ficar no Rio de Janeiro nos últimos dias do ano e nos primeiros de 2019. Mas para onde ir? Primeiramente pensei em ir visitar meu primo Rogério na Serra do Caparaó, mas a comunicação foi difícil e no dia 28/12 depois de uns momentos de extremo sentimento de caos em pleno bairro do Catete, resolvi fazer uma busca de retiros, onde pudesse me juntar de última hora.  A primeira coisa que me apareceu foi Terra Una e logo senti a intuição me chamar, o corpo vibrar e a partir dai as sincronias foram se sucedendo e no dia 31 às nove da manhã parti. Sozinha, com uma mochila de roupas e outra com meu equipamento fotográfico. Mais uma aventura para o currículo se iniciava.

Acertei um trabalho de fotografia na área educativa. Uma vivência com crianças, natureza, ecologia e arte me esperava e eu me sentia muito motivada. Algo me dizia que aqueles dias seriam muito enriquecedores e muito importantes para todo o resto do meu ano.

E assim foi.

Na rodoviária, um erro de compra e a necessidade de adquirir uma nova passagem me tirou do eixo e fiz a viagem inteira com a cabeça ligada em pensamentos negativos. Mas foi só entrar na Serra que as coisas começaram a mudar. E ao chegar a Terra Una tudo fluiu com uma suavidade muito particular.

Já no primeiro momento conheci Eri, Som, Aline, Gregóry, Mari, Marcela. Pessoas que já nesse primeiro contato senti que tinham um universo de conhecimentos, sabedoria e amor infinito para compartilhar comigo.  Nunca os havia visto, mas sentia que todos tínhamos uma conexão e uma busca em comum. Alinhar a arte, a natureza e a coletividade ao mundo contemporâneo, ao momento presente, sem fuga, sem escapismos, mas com ação e transformação profunda da nossa realidade interna e externa.

Dali em diante foram muitos momentos de magia e poesia. Desde a contação da história de Ossanha que Som nos presenteou na sauna poucas horas antes do Ano Novo; até a oportunidade de ter recitado dois poemas durante o sarau no dia 2 ao lado de tantas outras apresentações lindas e super talentosas. E também as massagens e palavras profundamente inspiradas e curativas de Aline, nos momentos justos em que eu mais precisava; ou a oportunidade de conhecer a casa de hiperadobe do erê do mato Randal e seu quintal de afeto sincero; o circulo de mulheres conduzido pelas poderosas irmãs Mari e Marcela onde conectei profundamente com a minha mãe interna e senti que eu sou protetora máxima de mim mesma; e também o olhar da menina Ana para quem tive o privilégio de ensinar os primeiros passos da arte da fotografia e ver na minha frente uma artista super sensível e delicada, com tanta estrada pela frente. Foi lindo também ouvir na cachoeira da Rainha uma menina luz soltar com sua voz uma ária de ópera e ainda ver seus olhos brilhando de coragem iluminados pela noite da Serra da Mantiqueira.  Que lindo ver crianças que sabem cantar, sabem abraçar, conversar, se deixar cuidar pela comunidade e por si mesmos.

Foi profundo ver que existe uma maneira de viver que é nova e ao mesmo tempo eterna e ancestral e que está disponível e que diz mais sobre uma mudança interna que necessariamente externa e radical. Um estilo de vida que é sustentável, delicado, consciente, que agrega, que une, que fortalece, que cria redes, que vê no todo a possibilidade de despertar o único e intrasponível de cada um, pois  cada um tem um talento e uma luz que contribui para o bem de todos. Não é utopia, não é sonho distante, é uma construção, um trabalho e uma conscientização que vai se expandindo e crescendo, enfrentando as dificuldades e partindo sempre delas para um lugar de superação.

Foram momentos de muita beleza, de muitos encontros e de muitas descobertas internas. Ali, em meio a natureza, às crianças, a novas amizades e novos conhecimentos que iam desde ecologia, espiritualidade e cultura fui vendo nascer em mim uma Manu nova e ao mesmo tempos que sempre esteve ali.

Foi saindo de mim minha maneira autêntica de me comunicar, de ouvir, de falar, de cantar, de dançar. Uma voz mais límpida e suave foi surgindo e foi se harmonizando com a voz de todos. Eram olhos nos olhos, abraços verdadeiros, escuta sincera. A dança, a risada, a brincadeira e a reza vinham no seu tempo, da sua forma mais orgânica e espontânea, assim como a permissão da dor, da posse, do controle, do medo e o deixar ir desses sentimentos. O entendimento de que as dificuldades voltam sempre da mesma maneira várias vezes. Até que o ensinamento seja absorvido as mesmas lições sempre nos são apresentadas repetidamente. É preciso aceitar. Sentir a sombra e a partir dela buscar sua transmutação. Esse foi um exercício constante que foi me dando muita força e maturidade.

E agora em casa, depois de três dias de recuperação, porque experiências assim sempre mexem com todos os nossos campos, me sinto abençoada de poder colocar no papel todas essas vivências e saber que no futuro poderei reler e reviver cada um desses momentos.

Fica cada vez mais claro para mim a necessidade dessa pausa depois de grandes experiências e agradeço ao mau estar físico que me tomou nesses dias e pelo tratamento natural que resolvi fazer que me obrigou a ficar quieta em casa, descansando e absorvendo todos esses ensinamentos e lições. É a escuta e a percepção do corpo, do nosso tempo interno, da nossa necessidade profunda. Acredito que esse seja o exercício mais importante nesse instante para mim. Saber respeitar meu tempo e meu corpo e saber equalizar com o tempo do outro, sendo capaz de dançar um duo com o universo e com os outros em que todo meu corpo vibre de amor pelo que sou e pelo que não sou e que outro é.

Salve Terra Una e vida longa a todas as comunidades alternativas do mundo e a todas as formas de vida não convencionas. A diversidade é nossa riqueza.